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OPINIÃO

O que é isto - o assédio eleitoral?

O assédio eleitoral é um ilícito que não está restrito as relações de trabalho.

Robson de Castro

05/08/2024 - segunda às 09h45

Por Marco Antonio da Silva

Em 17 de novembro deste ano o site Jota1 apresentou a seguinte manchete: “Britânia deverá indenizar trabalhadora em R$ 50 mil por assédio eleitoral, decide TRT9”. Trata-se de um caso concreto em que uma trabalhadora processou perante a Justiça do Trabalho2, em Curitiba/PR, a empresa BRITÂNIA ELETRÔNICOS S.A. A obreira alegou, em síntese, que foi admitida em 13/10/2014 e foi dispensada arbitrariamente por justa causa em 28/10/2022.

Ocorre que, o caso noticiado não é mais um dos corriqueiros casos que diariamente inundam a Justiça do Trabalho. O referido litígio trabalhista possui um elemento adicional interessante, fora do rotineiro escopo dos direitos sociais. Fora da atuação cotidiana daqueles que atuam com a jurisdição trabalhista. Isso porque na peça reclamatória introduziu-se o pedido de dano moral sob a justificativa de assédio e coação eleitoral por parte da empregadora.

O fato teria ocorrido durante o processo eleitoral de 2022, sabidamente controvertido, com baixa civilidade, com muitos abusos, e marcadamente com forte apelo ideológico. Sendo que a reclamada teria utilizado o “poder empregatício” para constranger os empregados a votarem em dado candidato a presidente da república da preferência dos gestores da empresa empregadora.

Resumindo a questão concreta, pois não pretendo ser comentarista de caso concreto mas passar para um outro nível de discussão (mais abrangente), a 2ª Vara do Trabalho de Curitiba reconheceu a ocorrência de assédio eleitoral condenando a empregadora a indenizar por danos morais, bem como declarou nula a dispensa por justa causa reconhecendo que a postagem da trabalhadora, em rede social, não citava o nome da empresa e não configurava ato lesivo a boa fama da empregadora ou de seus gestores. Ao contrário, seria uma manifestação que pretendeu se contrapor a indevida intimidação eleitoral que ocorria no ambiente de trabalho.

Em segunda instância o Tribunal Regional do Trabalho manteve a condenação em danos morais reconhecendo o assédio eleitoral, conforme consta do trecho da ementa:


ASSÉDIO ELEITORAL CARACTERIZADO. INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS DEVIDA. O assédio eleitoral consiste em qualquer prática que, de forma indevida, busca influenciar ou manipular o exercício do direito de voto e orientação política dos cidadãos, não pressupõe, necessariamente, que a conduta praticada se enquadre em algum tipo penal. No caso, ficou provado que a reclamada cometeu ato ilícito ao constranger e tentar influenciar os empregados a seguirem a orientação político-partidária escolhida pela empresa. Com isso, foram violados os direitos de liberdade de escolha e consciência eleitoral dos empregados, a conduta da ré instituiu ou estimulou o preconceito e a discriminação dentro do ambiente de trabalho, provocando um movimento de violência psicológica àqueles que não compartilham da mesma orientação política da empresa, em inequívoca violação aos preceitos constitucionais e diretrizes fixadas em normas do direito internacional (art. 1o, III, IV e V, art. 3o, I e IV, art. 5o, XLI, art. 7o, XXX, art. 14, da CRFB/88 e as Convenções no 111 e no 190 da OIT). O ato ilícito praticado tem o potencial de causar danos morais aos trabalhadores atingidos e gera dano moral “in re ipsa”, isto é, que independe de comprovação material, uma vez que o direito de liberdade de escolha e consciência constitui suporte imprescindível de um estado democrático de direito que põe a dignidade da pessoa humana como elemento central de todo o ordenamento jurídico. Negar à pessoa o direito de escolha é negar sua própria existência como ser racional dotado de sentimentos e propósitos de vida. Interferir indevidamente no processo de escolha dos representantes que regerão o país é violentar a essência da democracia. Indenização por danos morais mantida, no particular.

Neste escrito pretendo abordar o instituto do assédio eleitoral de uma forma mais sofisticada e estrutural, sem perder de vista manifestações da Justiça do Trabalho tal como a Resolução número 355, de 28 de abril de 2023 do CSJT quanto a prática de assédio eleitoral nas relações de trabalho. Anotando, outrossim, que referida resolução é posterior ao fato discutido no citado processo. Mas não deixo de anotar que tal temática é enfrentada por outros Tribunais Regionais do Trabalho3.

O assédio eleitoral é um ilícito que não está restrito as relações de trabalho. Portanto, quero analisar o instituto de forma mais ampla. Devo iniciar constatando que no sistema do direito aplicamos o código lícito/ilícito, sendo que cada área do direito (da dogmática jurídica) tratará o fato (ato ilícito) conforme suas regras próprias inerentes aos subsistemas em questão (trabalhista, criminal, cível, etc).

Porém, deve haver integridade e coerência pois institutos jurídicos são criações culturais provenientes de uma moral geral prévia que ao passar pelo processo legislativo (ou excepcionalmente jurisdicional) passam a integrar o sistema do direito criando, assim, direitos fundamentais quanto direitos subjetivos não fundamentais.

Ocorre que, durante o processo concorrencial que no mais das vezes é caracterizado por beligerância política outros sistemas sociais, cujos seus integrantes possuem interesses próprios, passam a criar zonas de conflito com o ordenamento jurídico. Em um Estado Constitucional Contemporâneo, mas com uma contemporaneidade tardia, tal qual é o Brasil, vivenciamos o sistema social econômico invadindo o espaço democrático que é regulado tanto pelo direito constitucional, quanto pelo direito eleitoral.

A Constituição Federal, principal norma jurídica (e social) de acoplamento normativo passa a exercer papel regulador desses conflitos intersistêmicos. E dentro desta perspectiva, com a constitucionalização do direito civil, do direito do trabalho e, em especial, do processo judicial, passamos a ter (ou deveríamos ter passado) uma abordagem hermenêutica constitucional dos fenômenos sociais e das relações que tais fenômenos possuem com o direito.

Dito isto, devo anotar que assédio é um ilícito com sua própria historicidade. Seja em qual área do direito for. Portanto, possui sua própria significação, não sendo um signo com grau zero de significado. Quando falamos em assédio há uma conotação própria no senso comum teórico dos juristas. Por essa razão, o assédio eleitoral passa a ser uma espécie do ilícito assédio outrora já de todos conhecido. O vernáculo “eleitoral” é um qualificativo do ilícito para estabelecer um sentido mais específico vinculado a uma intenção própria, ou seja, uma finalidade (ilícita).

Tanto a busca pelo poder político quanto os conflitos no andar de baixo (correligionários e atores sociais interessados) esbarram no que denomino de “poluição do processo eleitoral”. Evidentemente, as disputas inerentes a própria natureza da Democracia faz com que atores passem a realizar poluições nesse processo político. Dentre tantas poluições existentes uma possui destaque para esta análise, qual seja: “a influência abusiva do poder econômico”.

Certo é que a influência do poder econômico no processo eleitoral já foi discutida em diversas dimensões. Cito algumas para efeito exemplificativo: a) possibilidade de doações de pessoas jurídicas para candidatos e partidos políticos (incluindo a legitimidade democrática dessa participação de pessoa jurídica com fins lucrativos - empresas); b) possibilidade de candidatos ricos custearem (integralmente) suas campanhas eleitorais; c) as fontes legítimas para financiamento eleitoral; d) gastos suntuosos com campanha eleitoral; dentre outros.

Ao passo que o assédio eleitoral é uma espécie do gênero assédio, o abuso do poder econômico é uma espécie do gênero abuso de direito, tão conhecido dos civilistas. E o abuso quando no âmbito do processo democrático sai da esfera individual e passa a uma esfera intersubjetiva, ao estar no âmbito dos direitos fundamentais (direitos comunicativos).

Neste ponto, cito o jurista alemão Gunther Teubner que afirma:

Nesse lado da equação, devem-se agrupar os direitos fundamentais sistematicamenteemtrêsdimensões:–Direitosfundamentaisinstitucionais como garantias de autonomia dos processos sociais, os quais se dirigem contra sua superação por meio de tendências totalizantes da matriz comunicativa. Aqui operam os direitos fundamentais em sua eficácia horizontal como “normas de colisão” entre racionalidades parciais da sociedade, aproximadamente da forma como eles procuram proteger a integridade da arte, da família, da religião contra tendências totalizantes da ciência, da mídia ou da economia. – Direitos fundamentais pessoais como setores de autonomia de comunicação no interior da sociedade, os quais são atribuídos não às instituições, mas aos artefatos sociais “pessoas”. – Direitos humanos como barreiras negativas da comunicação social, quando a integridade da psique e corporalidade é ameaçada por transgressões de limites por parte da matriz comunicativa4.

O assédio eleitoral como ilícito violador dos direitos fundamentais (e direitos tidos por humanos nos diplomas internacionais) é sintoma de uma outra espécie de abuso econômico. Não um abuso direto que visa desequilibrar o processo eleitoral em favor de dado candidato, partido e/ou ideologia mediante financiamentos. Mas um abuso sorrateiro que visa na outra ponta do “jogo político” repristinar uma modalidade de voto de cabresto, aproveitando-se de exclusões sociais de eleitores.

Explico! Deveras não estamos mais em um sistema cujo voto é censitário, mas a exclusão social de grandes grupos (vulneráveis) evidentemente acarreta uma espécie de submissão prática que retira a eficácia dos princípios jurídicos da autenticidade eleitoral e da liberdade do voto. Iniciei este escrito com um caso concreto, abordando o assédio eleitoral no ambiente de trabalho como faceta do abuso do poder econômico do empregador sobre o empregado.

Mas o exemplo poderia ser outro, tal como o assédio de organizações criminosas em territórios que o Estado é ausente. Ora, não podemos fechar os olhos as inúmeras comunidades espalhadas pelo Brasil em que o cidadão sequer pode expressar sua preferência política. Em que precisa se abster de sua liberdade constitucional de manifestação (direito fundamental) de um gesto simbólico tal como colar um adesivo de determinado candidato de sua preferência em seu carro. E o pior, o Estado por meio da Polícia Federal e do Ministério Público Eleitoral não adota qualquer providência para constranger tais atos ilícitos e assegurar as liberdades públicas do cidadão.

Portanto, o assédio eleitoral pode aparecer em sua faceta do abuso econômico, isto é, mediante o sistema da economia via as diversas corporações empresarias existentes que possuem, obviamente, suas preferências ideológicas ou, sobretudo, em razão de determinada política econômica a ser adotada pelo governo. Ou, ainda, o assédio eleitoral pode manifestar-se de outras formas, não apenas como espécie de um abuso econômico, e aqui citei o exemplo da manutenção de controles territoriais que, em última análise, também desbordará em questões econômicas ilícitas tal como a comercialização de substâncias entorpecentes, armas ou seres humanos. Na visão dos criminosos, determinado candidato pode adotar políticas públicas mais ou menos tolerantes com a prática de delitos.

Alessandro De Giorgi possui a obra denominada “A miséria governada através do sistema penal”. No entanto, a miséria é governada através de muitos sistemas sociais que se interrelacionam e que por isso geram ruídos. E quando se trata de política, em um Estado cuja a Democracia é meramente formal, os miseráveis, os pobres, os hipossuficientes em geral servem como massa de manobra e, muitas vezes, não são protegidos sequer pela garantia constitucional do sigilo do voto.

Em minha obra “Direito Eleitoral”, ao comentar a situação da poluição eleitoral, cito trecho do v. acórdão 28.387 do TSE, sob voto condutor do então ministro Carlos Ayres Brito, que assentou : “O abuso de poder econômico implica desequilíbrio nos meios conducentes à obtenção da preferência do eleitorado, bem como conspurca a legitimidade e normalidade do pleito”5.

Nessa perspetiva visualizo o “povo” diminuído em sua qualidade de “povo ativo” e sendo enaltecido em sua qualidade de “povo ícone”, afinal a retórica da eleição é utilizada por aqueles que são eleitos também mediante fraudes e abusos. Isto é, sempre escondem-se no resultado matemático-finalístico invocando o “povo” como o ente metafísico legitimador, desprezando o “povo” concreto constituído de pessoas físicas que transitam nas ruas, necessitam de emprego ou de manter o (sub)emprego que têm, vivendo em subúrbios e guetos em precária fragmentação social.

Desta feita, o assédio eleitoral não é um problema de interesse meramente individual, ao contrário, é um problema da democracia e, portanto, não só do direito do trabalho, mas de todos os ramos do direito público afetos a defesa da ordem democrática.

 

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