Entrevista de Domingo

Auditor fala do trabalho da Alfândega e o combate a fraudes e ao tráfico

Só neste ano, por exemplo, a Receita Federal já apreendeu 11,5 toneladas de cocaína no Porto de Santos

26/09/2021 - domingo às 07h00
O auditor fiscal Richard Neubarth ocupa o cargo de delegado da Alfândega desde julho de 2020 - (foto: divulgação/RFB)

A Receita Federal do Brasil (RFB) é a responsável pela fiscalização e pelo controle sobre o comércio exterior em portos e aeroportos. Não é pouca coisa, ainda mais num complexo portuário como o de Santos, que concentra um grande volume de cargas. Agilizar as operações aduaneiras legítimas já exige bastante das equipes. Mas o órgão ainda tem de atuar no combate a esquemas fraudulentos e, principalmente, ao tráfico de drogas.
 
Só neste ano houve 27 ações no Porto, que resultaram na apreensão de 12 toneladas de cocaína. Os números são mais baixos que os de 2020 (20,5t em 49 ações) e o recorde registrado em 2019 (27t em 56 ações). Isso não quer dizer, no entanto, menos trabalho. Em junho, por exemplo, a Receita interceptou 1,27t do entorpecente que estavam misturadas a gordura vegetal. A operação, que durou dois dias, é considerada pela própria Alfândega uma das mais complexas já realizadas.
 
Na Entrevista de Domingo do Portal BS9, o auditor fiscal Richard Fernando Amoedo Neubarth fala um pouco sobre seu desempenho como delegado da Alfândega de Santos, cargo que exerce desde julho do ano passado, além de ações e desafios da Receita Federal no Porto.
 
1 - Primeiramente, gostaria que o senhor falasse um pouco sobre a sua função de auditor fiscal e de seu trabalho como delegado da Alfândega.
A Secretaria Especial da Receita Federal do Brasil tem a importante missão de administrar o sistema tributário e aduaneiro na busca do bem-estar econômico e social do país. Contribuindo com esses objetivos, o auditor fiscal é responsável pelas fiscalizações, autos de infração, desembaraço das importações e exportações, apreensões de mercadorias, entre outras atribuições. Eu ingressei na carreira de auditor fiscal em 2001, com aprovação em concurso e curso de formação, na época, específicos para área aduaneira. Após nomeação, entrei em exercício na Inspetoria de Corumbá (MS). Naquela unidade adquiri bastante conhecimento e experiência na área aduaneira e me identifiquei com a área de vigilância e repressão trabalhando no posto de fronteira Brasil–Bolívia e participando de operações de combate ao contrabando, principalmente nas rodovias da região. Estou na Alfândega de Santos desde 2004, onde passei pela equipe de julgamento de processos administrativos, fui chefe de uma das equipes da divisão de vigilância e, após, nomeado chefe da divisão de vigilância e repressão, (cargo) em que fiquei por mais de dez anos até ser nomeado delegado da Alfândega de Santos. Como delegado, minha gestão é focada na interação e no desenvolvimento dos vários setores da unidade. Procuro ouvir bastante cada setor, cada servidor, pois acredito que dessa forma fica mais fácil tomar as decisões acertadas para consecução dos objetivos desta Alfândega, que são a facilitação das operações legítimas de comércio exterior e combate aos ilícitos aduaneiros. A boa comunicação e parceria com outros órgãos, iniciativa privada e agências de outros países também é fundamental para que tenhamos êxito no cumprimento de nossa missão.
 
2 - Qual, na sua opinião, tem sido o maior desafio da Alfândega no Porto?
São muitos os desafios. O maior deles diz respeito à busca por diminuição do tempo de liberação de cargas sem prejuízo da segurança das operações de comércio exterior no Porto. Já avançamos muito nos últimos anos, mas esse é um trabalho constante de aproximação de todos os envolvidos no comércio exterior, a fim de reduzir procedimentos desnecessários, buscar novas soluções para agilizar as operações, sem abrir mão do controle necessário ao combate dos ilícitos aduaneiros. Temos bastante trabalho pela frente em parceria com a iniciativa privada e demais órgãos anuentes. São centenas de intervenientes e milhares de profissionais envolvidos nessa missão.
 
3 - Pelo segundo ano seguido, o volume de apreensões de cocaína no Porto de Santos não deverá atingir o recorde registrado em 2019. A que se deve isso? A fiscalização aumentou? Ou a pandemia deu uma freada no tráfico internacional de drogas?
Não acredito que a pandemia tenha interferido no tráfico de drogas. Quanto à fiscalização aduaneira, buscamos um aperfeiçoamento constante dos processos de forma a agilizar as operações legítimas de comércio exterior e reprimir de forma efetiva os ilícitos aduaneiros. Da mesma forma que a RFB realiza o trabalho para selecionar as cargas que possam representar algum risco à sociedade, o grupo criminoso também analisa o risco de ter sua carga apreendida, seja de produtos falsificados, bens e mercadorias não declaradas, cigarros contrabandeados ou drogas. Para o infrator o risco é representado pela perda da mercadoria apreendida e pela ação penal que poderá sofrer. Portanto, a partir de cada apreensão, o infrator busca minimizar o risco mudando a forma de ocultação da droga ou mudando a rota de transporte ao porto de destino. Isso vai resultar em variações nas quantidades de drogas e mercadorias apreendidas. Contudo, como Santos é um hub port, com carregamento de todo tipo de bens e mercadorias e muita oferta de rotas marítimas, ele sempre será uma opção para os contrabandistas e, por isso, a RFB tem que buscar um aprimoramento constante da fiscalização aduaneira no porto. Ressalta-se que as organizações criminosas não reconhecem fronteiras ou regras. Apenas querem transportar seu produto, a cocaína, até o consumidor e lucrar com a operação. Para isso, buscam previsibilidade e frequência de carregamentos. O Brasil, naturalmente, por ser a maior economia da região e ter comércio intenso com o mercado europeu, oferece muitas possibilidades. Pode-se citar como exemplo de variação de rota e forma de envio a apreensão recorde de cocaína nos portos de Hamburgo (Alemanha) e Amberes (Antuérpia, na Bélgica) em fevereiro deste ano. Foram apreendidas 23 toneladas da droga que estava sendo transportada em contêineres que partiram do Paraguai e foram carregados na Argentina em navio com destino ao continente europeu. Essa foi a maior apreensão da história na Europa.
 
4 - Ainda sobre a pandemia, até que ponto ela dificultou a atuação das equipes? Foi necessária uma grande mudança na conferência?
Com processos de trabalho bastante digitalizados, a RFB conseguiu se adaptar bem às mudanças necessárias para o enfrentamento da pandemia. Contudo, com muitos servidores em home office, sendo essa medida compulsória para aqueles com mais de 60 anos, tivemos que reformular algumas equipes para a manutenção do trabalho de campo, principalmente a conferência de cargas e a vigilância e repressão. A tecnologia também ajudou bastante, possibilitando a conferência de mercadorias de forma remota, por meio de câmeras e imagem de escâneres. Com isso, conseguimos manter um ótimo controle e agilidade na liberação de mercadorias, mesmo com redução da equipe em trabalho presencial.
 
5 - Tem alguma particularidade no Porto de Santos que o difere de outros portos do Brasil e do mundo, pelo menos quanto à fiscalização e ao controle aduaneiro?
O Porto de Santos, além de ser o maior em volume, representando cerca de 30% de todo comércio exterior do país, tem grande diversidade de produtos importados e exportados, grande variedade de rotas marítimas e tem complexidade geográfica, pois não é contínuo e se estende por duas margens e três municípios. Representa um grande desafio para o controle de cargas, é como se tivéssemos vários portos em um. O Porto de Santos é também o único no Brasil que conta com unidade da aduana americana denominada Container Securit Iniative (CSI), que está presente nos maiores portos do mundo, trabalhando em parceria com as aduanas locais, e tem como missão garantir a segurança das cargas que tem como destino os Estados Unidos.
 
"O Porto de Santos, além de ser o maior em volume, representando cerca de 30% de todo comércio exterior do país, tem grande diversidade de produtos importados e exportados, grande variedade de rotas marítimas e tem complexidade geográfica, pois não é contínuo e se estende por duas margens e três municípios"

6 - Nos últimos meses vimos grandes apreensões de aparelhos de TV Box adulterados no Porto de Santos. Existem produtos que são os preferidos, digamos assim, dos contrabandistas?

Os TV Boxes adulterados estão em alta, pois infelizmente há uma demanda grande por esses produtos que causam sério prejuízo à indústria de produção audiovisual. Além das ações de repressão da RFB e outros órgãos, é importante o consumidor saber que o consumo deste tipo de produto gera desemprego e financia o crime organizado. Assim como os TV Boxes, os produtos falsificados em geral também estão entre os preferidos dos contrabandistas, pois o lucro é alto no comércio. A Alfândega tem realizado importantes ações no combate a produtos contrafeitos, com destaque para apreensões de rolamentos falsificados que são comercializados no mercado interno como sendo originais.
 
7 - Recentemente a Receita também desarticulou um grande esquema de envio de encomendas do exterior ocultas em bagagens desacompanhadas. O senhor tem notado uma prática cada vez maior desse tipo de fraude?
Este tipo de fraude não é fácil de combater, pois há empresas no exterior especializadas em disfarçar encomendas como sendo bagagem desacompanhada e o ganho destes envios é expressivo. Atualmente, uma equipe inteira está direcionada para combate a este tipo de fraude que é grave, pois além de mercadorias que chegam sem pagar impostos, são despachadas encomendas de itens de importação proibida, tais como armas, munições, medicamentos sem regulamentação de venda no Brasil.

Neubarth falou ao BS9 sobre a Operação Outlet, no fim de junho
 
8 - O senhor acha que a alta carga tributária no Brasil contribui para esse volume de fraudes?
Em qualquer país do mundo o não pagamento de tributos gera uma concorrência desleal que deve ser combatida na busca de um ambiente de negócios saudável. Sem dúvida, há uma correlação entre os produtos com maior carga tributária e o descaminho e outros tipos de fraudes tributárias relacionadas a estes produtos, pois o contrabandista busca sempre o que é mais lucrativo.

9 - E quanto às penas para esses fraudadores? Na sua opinião, elas são brandas?
Dentre os vários tipos de sanções previstas na legislação aduaneira, a pena de perdimento de mercadoria é bastante gravosa e adequada, pois com ela a logística de distribuição de mercadorias que contam com alguma vantagem ilícita é interrompida imediatamente. E com isso, é prestigiado o importador que declara as mercadorias e recolhe os tributos de forma legítima. Em se tratando de perdimento de mercadoria, o fraudador ainda pode responder por crime de descaminho ou contrabando no caso de apreensão de produtos de importação proibida, como os TV Boxes.