Maurício Juvenal - Jornalista, especialista em Pesquisa Social e mestre em Letras
Maurício Juvenal
07/03/2022 - segunda às 00h00
Eu sei, a pergunta soa mais do que politicamente incorreta. E, portanto, já deixo claro que não estou sugerindo nada nesse sentido. Muito pelo contrário.
Mas é obvio que em ano de eleições, como esse, de 2022, fazer alguns exercícios de raciocínio e de reflexão sobre o cenário político-eleitoral parece algo muito bem-vindo.
Eu sei que vou chatear parte da classe política, obviamente entre os que tiverem acesso a esse artigo. Alguns vão até dizer que estou dando tiro no pé, afinal de contas, minha atividade final, hoje, tem muito a ver com política e eleições. Nenhum problema. No fundo no fundo, a gente é o que a gente pensa, ainda que vivamos escondendo nossos pensamentos, até como forma de sobrevivência.
A motivação número 1 para eu escrever sobre esse tema é a recente decisão do Supremo Tribunal Federal, por 9 votos a 2, de manter o fundo eleitoral para 2022 em R$ 4,9 bilhões. Dinheiro nosso, dos impostos que a gente paga, e que na prática será utilizado para bancar campanhas políticas.
Simples assim: parte do que o governo arrecada com os impostos que a gente paga é destinada para viabilizar a campanha deles, os políticos. São R$ 4.900.000.000,00 divididos por 147.586.338 eleitores, conforme dados do TSE, de fevereiro de 2022. Cada voto vale, portanto, R$ 33,20. E isso só de Fundo Eleitoral (FE). Nessa matemática nem entra o Fundo Partidário (FP).
O FP é distribuído às siglas anualmente, e é composto por dotações orçamentárias da União, multas e penalidades pecuniárias de natureza eleitoral, doações de pessoas físicas depositadas diretamente nas contas dos partidos (aquelas específicas para o Fundo) e outros recursos que eventualmente forem atribuídos por lei.
Já o FE, desse que estamos falando agora, foi criado em 2017 pelas leis 13.487 e 13.488, aprovadas pelo Congresso Nacional. O total de recursos deste fundo é definido pela LOA - Lei Orçamentária Anual. Com a proibição de doações de pessoas jurídicas estabelecida por decisão do STF de 2015, o Fundo Eleitoral tornou-se uma das principais fontes de receita para a realização das campanhas eleitorais. Mas, só entre nós: você acredita mesmo que as empresas não continuam doando recursos para campanhas?
Agora veja que coisa. Em 2021, o Executivo, no caso a Presidência da República, do capitão Jair Bolsonaro, enviou ao Congresso a LDO - Lei de Diretrizes Orçamentárias - para 2022. Naquele texto, a verba do fundo eleitoral foi prevista em R$ 2 bilhões. Acontece que o Congresso, por meio de emendas, alterou a fórmula de cálculo do FE e estabeleceu um teto para ele, o que poderia chegar a um montante de R$ 5,7 bilhões. Para se ter uma ideia, o valor do FE para 2022 equivale a aumento de R$ 3,2 bilhões sobre o praticado em 2018, uma alta de quase 200%.
O mais interessante é o jogo de cena, e nesse caso envolvendo os três poderes. Veja se o meu raciocínio está errado: o Poder Executivo envia proposta para um Fundo Eleitoral de R$ 2 bilhões, ou seja, R$ 300 milhões a mais do que em 2018. No Legislativo, deputados e senadores entendem que é pouco e mexem no dispositivo legal possibilitando um Fundo de até R$ 5,7 bilhões. Bolsonaro chia, diz que não vai dar, que não aceita e “veta” o aumento, a essa altura, de acordo com a Lei Orçamentária Anual (LOA), estipulado em R$ 4,9 bilhões. Os parlamentares derrubam o veto e fica, portanto, valendo os R$ 4,9 bi. A cartada final: um dos partidos, o Novo, aciona o Supremo e questionando o dispositivo da LDO de 2022 (aquele com o novo cálculo). A legenda defende que, para além da imoralidade que representa destinar bilhões para financiar as campanhas eleitorais em 2022, o dispositivo é formalmente inconstitucional. Para o Novo, a alteração do cálculo se deu através de flagrante vício de iniciativa, uma vez que é da competência privativa do Executivo a submissão ao Parlamento do projeto da LDO. O STF, Poder Judiciário, discorda da tese do Novo, e consagra, bate o martelo, no valor de R$ 4,9 bilhões.
Eu até sei que parece confuso, que é um tema chato, e que no “Brasil é assim mesmo”. Mas não dá, gente. Não dá para tirar dinheiro do povo para bancar campanha política. Na real, no papo reto, é isso, ainda que a classe política adore formular e formatar discursos prontos tentando explicar essa bagaça com uma linda roupagem, achando que vai convencer alguém. E prestem bem atenção: vamos ver se o Novo vai devolver o dinheiro do Fundo Eleitoral, afinal de contas, não adianta recorrer ao Supremo e, em sendo voto vencido, ainda assim fazer uso do dinheiro.
É meio que em tom de revolta que eu conto toda essa história pra vocês. Executivo, Legislativo e Judiciário vão, ao longo de todo esse ano, gastar uma baita grana para orientar você a não vender o seu voto. Vão dizer que o voto é ferramenta da democracia, da mudança e a única coisa que você tem que tem o mesmo valor que o de qualquer outro cidadão, do mais pobre ao mais rico, do gari ao presidente. Mas não é bem assim. Eles, os representantes dos três poderes, já colocaram preço no seu voto. O resto é conversa fiada, pra eleitor dormir.
E como tem conversa. Logo voltaremos a ela, mas em episódios, para fazer coro com as séries disponíveis hoje. O próximo já tem título: “O eleitor do político de janela”.
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