Lúcio Nunes - Jornalista, colaborador da Liga Cultural Independente das Escolas de Samba de Santos (LICESS) e do Conselho do Samba de Santos
Lúcio Nunes
03/09/2021 - sexta às 11h50
Ao que tudo indica, em outubro poderemos assistir pela TV aberta as finais das disputas de samba-enredo das escolas de samba cariocas.
Revirando o baú, arrisco-me a dizer que isso não acontece desde 1993, quando a TV Bandeirantes transmitiu ao vivo a escolha do famoso Atrás da Verde e Rosa Só Não Vai Quem Já Morreu, da Mangueira.
Isso só valoriza o recém-firmado acordo entre LIESA e TV Globo. E não só por gerar mais recursos para as agremiações, impedidas de utilizar suas Quadras devido à pandemia, mas por criar um novo formato, viável e rentável, inclusive para a retomada das atividades presenciais.
Particularmente, gosto muito da ideia. Afinal, dentre todas as etapas do Carnaval, não é exagero dizer que o Concurso de Samba-Enredo é a que tem maior potencial de engajamento, excetuando o próprio desfile, é claro.
Trata-se de uma tradição que ganhou força especialmente a partir dos anos 1980, fazendo com que os chamados sambas “sob encomenda” – termo autoexplicativo – passassem a dividir espaço com um processo mais democrático e emocionante.
Desde então, as disputas, em sua maioria, moldaram-se a partir de uma sequência de etapas bastante interessante, mas não muito conhecidas do grande público.
O primeiro momento crucial é o encontro da diretoria, do carnavalesco e dos compositores para que todos assimilem como o tema escolhido pela escola será apresentado no desfile.
A partir daí, os poetas voltam para seus redutos e começam a rabiscar versos e melodias, até entrarem em consenso para a gravação da obra.
Como os regulamentos impõem sigilo total neste período, o dia da entrega dos sambas também é cercado de expectativa. Em muitas ocasiões os ‘adversários’ só se descobrem no ato da inscrição e acompanham juntos as primeiras audições. Não por acaso, é quando a temperatura da disputa já começa a subir.
O clima se mantém nas eliminatórias, especialmente quando escola de samba e concorrentes investem nas apresentações e na divulgação. Em Santos, como bem me lembrou dia desses o querido Zinho do Tempero – um dos grandes intérpretes e compositores do nosso Carnaval - já tivemos até samba concorrente estreando em horário nobre de “rádio rock”.
Mais recentemente, com o advento da internet e das redes sociais, as parcerias passaram a ter ainda mais recursos para mostrar seu trabalho, convocar adeptos e fortalecer a corrente por uma vaga na sonhada “finalíssima”.
E é nesta aguardada noite que as emoções costumam aflorar de vez. O cenário lembra um clássico futebolístico regional: os concorrentes ensaiam do lado de fora, as torcidas trazem faixas e adereços, o canto está na ponta da língua e os bastidores fervem até que, enfim, seja conhecido o hino a ser cantado pela escola em seu próximo Carnaval.
Escrevo tudo isso com encantamento e uma ponta de saudade, já que nos últimos 15 anos vinha participando de Concursos de Samba-Enredo de todas as formas possíveis: como torcedor, apresentador, jurado e, mais recentemente, compositor.
Espero que, superado este tempo tão difícil, possamos nos reencontrar pelas Quadras para celebrar as novas obras que virão.
E se você nunca viveu esta experiência, mas tem curiosidade, fica a dica: em outubro, bastará ligar a TV.
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