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VIDA É MOVIMENTO

Mônica Ferreira Costa - Pedagoga, Psicóloga, Mestranda em Educação na Unisantos

Mônica Ferreira Costa

12/02/2022 - sábado às 00h00

Em meados de 1993, Paulo Freire lançou o livro Política e Educação e nele escreveu: “Ninguém nasce feito. Vamos nos fazendo aos poucos, na prática social de que tomamos parte”; com certeza não nascemos prontos sequer fisicamente, quanto mais como seres sociais. Nascemos e somos inseridos numa inevitável construção social que cada um fará dentro das suas possibilidades, vontades e habilidades.

Aprendemos e construímos o nosso eu porque entramos em contato com o outro. É a presença e a relação com a outra pessoa e tudo o que ela traz e troca   conosco no contato sensorial, emocional e cognitivo que nos ajuda - e ajudará para sempre – em nossa inserção na “prática social de que tomamos parte”.
 
O tempo que temos de vida, ninguém sabe, mas penso que se tivermos condições mínimas de socialização, deveremos chegar à vida adulta sabendo, pelo menos, duas coisas: que vamos errar e vamos morrer.

No entanto, tenho percebido, principalmente diante das respostas que recebo nas mídias sociais, que muitos adultos ainda não elaboram estas máximas inevitáveis.

Reagem, muitas vezes, como se fossem infalíveis, indestrutíveis, inatingíveis, de tal modo, que beiram o ridículo! Imagino que devem se comportar da pior maneira porque fantasiam que não serão vistos ou identificados. Será isso?

Parecem-se com crianças pequenas, que reagem se escondendo. Certa vez, meu irmão com três anos, brincava com seu cavalinho de pau no quintal e resolveu bater no cachorro, com o brinquedo, porque o animal não fazia o que ele queria. Corri para acudir meu cachorro e disse: - “Para! Ele não entende o que você quer”. Lembro da carinha do meu irmão, incrédulo. Depois para fugir da bronca ele se “escondeu” atrás do próprio pau do cavalinho. Tudo ficou gravado porque meu pai estava com sua Super8 registrando nossos momentos na infância. 

Assistir àquelas cenas, tempos depois, era diversão garantida. Dávamos gargalhadas de ver meu irmão segurando aquele minúsculo pedaço de pau para cobrir seu rosto. Ele acreditava mesmo que havia se escondido atrás do seu cavalo.   

Há décadas era mais difícil identificar o autor de uma agressão nas mídias sociais, mas hoje esta não é mais a realidade. Somos monitorados, vigiados, olhados e identificados facilmente.

No entanto, ainda há muita gente agindo de forma agressiva, discriminatória e violenta como se nada lhes fosse acontecer. Fico me perguntando: o que será que aconteceu nas vidas dessas pessoas para que elas reajam dessa maneira? São tantas pessoas! Também percebo que se um sujeito escreve algo truculento, numa postagem, em qualquer destes sites na mídia social, acontece o fenômeno que chamo de: “porteira aberta”, isso é, um monte de comentários, não menos agressivos, são escritos na sequência. Parece uma metralhadora desgovernada. 

O que está acontecendo conosco? 

Creio que a raça humana sempre teve um forte traço de raiva, de prepotência e arrogância, mas todos estes são sentimentos construídos e aprendidos. Não nascemos orgulhosos, vaidosos e discriminadores. Tornamo-nos. 
Historicamente não fomos levados a aprender a conversar, negociar. Pelo contrário, temos sido estimulados a enfrentar, brigar e não levar “desaforo para casa”. Mas esta postura vem mudando. Não somos felizes e adoecemos numa sociedade que se manifesta de forma tão violenta, por isso temos reagido. Precisamos repensar o que queremos e melhorar nossa prática do diálogo. Se, por um lado, criamos vários canais de comunicação e neles demonstramos nossa contrariedade, frustração, raiva, indignação, aquela velha vontade de matar o “amiguinho”, por outro lado, também manifestamos nestas mesmas mídias nossa solidariedade, nossas alegrias e afetos.

Algo a confessar neste momento: tenho dificuldade para lidar, no meu dia a dia, com pessoas adultas que têm comportamentos infantilizados. 

Se compreendemos e aceitamos que nossa espécie precisa de ajuda para tornar-se humana é porque reconhecemos que quando somos crianças pequeninas temos baixa resistência à frustação e não compreendemos regras sociais nem acordos. O outro é para nós como um objeto, não o reconhecemos como um semelhante. Por exemplo, não emprestamos um brinquedo, porque não sabemos se o outro o devolverá. Não lidamos bem com as negativas que recebemos do outro e insistimos e brigamos para que nossos desejos, vontades e caprichos, sejam atendidos prontamente.

Se atingimos o pensamento abstrato, planejamos e registramos nossa história, foi porque conseguimos avançar nos níveis de linguagem. É natural que crianças de três ou quatro anos ainda mantenham monólogos coletivos, isso é, aparentemente estejam conversando entre si, mas não se importam com as respostas que os amiguinhos da conversa lhe dão, está tudo bem. Afinal, são crianças pequenas; seres imaturos que, com o tempo e o convívio social, mudarão suas atitudes e comportamentos.

A questão é exatamente essa: por que alguns adultos parecem que não foram capazes de aprender e mudar suas atitudes e comportamentos? 

Por que alguns adultos se comportam como se pudessem se esconder atrás de um cavalinho de pau, que mal esconde seu nariz?

Teriam sido isolados do convívio? Não. Porque isolados não estariam nas mídias sociais...

Teriam sido tão mimados, tão poupados das dores e tantas vezes atendidos em suas vontades e querências que não aprenderam a lidar com a contrariedade? Impossível. Porque são adultos e, ainda que o mundo familiar tenha feito esse desserviço em suas relações, eles também estiveram no mundo da escola, da rua, do trabalho e diante de tantos outros convívios que, com certeza, trouxeram contrariedades. 

Conviver com muitos e em diversos ambientes é ter que lidar com não ser atendido, às vezes ser desprezado, ignorado, humilhado, perseguido, ameaçado. Enfim, se tudo isso também acontece nas relações familiares, no mundo maior muitas vezes acontece sem que os outros tenham qualquer pudor ou complacência.

Porém, não há nada que nos obrigue a tomarmos atitudes violentas. Não há nada que nos obrigue a assistir um ato de violência e ficarmos calados, imóveis. Podemos agir. Podemos fazer a diferença.

Por isso, mesmo que você se sinta ameaçado, não é necessário ameaçar. Mesmo que você se sinta ignorado ou humilhado, não precisa responder com a mesma violência. Porque se eu paro de reagir de maneira intempestiva e você para e o outro e o outro e o outro param, podemos transformar nossas relações sociais. Se pensarmos por um momento antes de reagir com violência, poderemos achar outra saída.

Não nascemos prontos. Como também nos ensinou Paulo Freire: (podemos) “reconhecer que somos seres condicionados, mas não determinados. Reconhecer que a história é tempo de possibilidade e não de determinismo, que o futuro (...) é problemático e não inexorável”.

Porque a vida é movimento e podemos mudar, alterar, transformar nossas atitudes e comportamentos. Só depende de aceitarmos que somos finitos e vamos errar. Também vamos acertar, ensinar, trocar. Podemos escolher amar.

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