Felipe Pupo - Professor de História e profissional da área da comunicação, com ênfase no trabalho voltado à Política, Esporte e Educação
Felipe Pupo
26/10/2021 - terça às 16h44
Nas aulas de História, aprendemos sobre o ludismo, um movimento da classe trabalhadora inglesa contra as injustiças da Revolução Industrial. Como forma de protesto, os operários quebravam as máquinas para expor a sua insatisfação pelos baixos salários e as péssimas condições de trabalho.
A revolta do ser humano contra os equipamentos e os dispositivos modernos – bem como os seus efeitos na vida em sociedade – tem sido um tema recorrente no cinema, na literatura e na arte de um modo geral.
No mundo do futebol, os torcedores mantêm uma relação de amor e ódio com os novos aparatos tecnológicos que auxiliam as equipes de arbitragem. O sistema eletrônico de árbitro de vídeo, o VAR (abreviatura em inglês de Video Assistant Referee), desperta toda a sorte de sentimentos e paixões no torcedor ao longo dos 90 minutos de jogo.
De um modo geral, o brasileiro tem uma percepção negativa do árbitro de vídeo. E com razão. Afinal, os operadores da máquina (alheios ao ambiente do jogo) interferem o tempo todo nas decisões de campo e prejudicam, inclusive, o rendimento técnico dos assopradores do apito (que já são bem limitados na comparação com os profissionais que atuam no futebol europeu).
O fato inconveniente é que a cartolagem conseguiu desmoralizar o VAR no Brasil, motivo frequente de piadas, memes e chacotas de Norte a Sul do país. Falha na tecnologia? Não. O sistema mostrou-se, até, bastante eficiente no registro de imagens e na marcação de lances milimétricos (impedimento, ultrapassagem da bola na linha do gol).
Mas, então, o que está errado? É a operacionalização do serviço. O árbitro de vídeo é excessivamente intervencionista e atua diretamente para modificar lances interpretativos já decididos pelo assoprador do apito dentro de campo.
O VAR brasileiro é “caseiro”, atrapalhado, confuso, incoerente e funciona como uma espécie de “caça-pênaltis”. Para justificar os absurdos assinalados pela arbitragem, criaram o chamado critério do movimento “antinatural” para a aplicação das penalidades nos lances em que a bole toca o braço do adversário. É como se um esportista pudesse prescindir dos seus braços para correr, pular e disputar o jogo.
Além dos toques no braço (pelo movimento antinatural), o radar da arbitragem também detecta como jogada faltosa a maioria dos contatos naturais decorrentes jogo. Lembramos que o futebol é um esporte coletivo que, em síntese, é organizado pela disputa de corpos pelos mesmos espaços. Não gosta disso? Há outros esportes bons e sem muito contato: tênis, ginástica artística, natação... Agora, no futebol, há uma margem necessária para a disputa da posse de bola entre os adversários. Enfim, não vamos matar a essência do esporte bretão.
Nesse contexto, a overdose de participação do árbitro de vídeo irrita, e irrita muito além dos limites, o público. Deixa o espetáculo chato e entediante. Não seria exagero considerar que o torcedor acaba imergindo um sentimento ‘ludista’ contra o equipamento de vídeo na maioria dos jogos disputados pelo seu time.
A despeito dessas considerações, é importante ressaltar que a tecnologia, em si, representa um grande avanço esportivo para o jogo dentro das quatro linhas, a exemplo do que ocorreu em outras modalidades esportivas. E, sendo justo, o VAR (mesmo com todos os problemas) já corrigiu erros gravíssimos assinalados dentro de campo.
No entanto, o equipamento não deveria ser operacionalizado com absoluto amadorismo. Há exemplos positivos na Europa, como na Premiere League, que poderiam servir de inspiração para os ajustes necessários a serem implantados nas competições nacionais.
Nesse momento, a maior preocupação é que o operador de vídeo possa ser o fiel da balança na reta final do Brasileirão. A sorte e o destino de cada equipe podem ficar nas mãos de pessoas totalmente alheias ao ambiente do jogo. Por isso, é necessário ter fé e esperança para que as boas energias venham alcançar a arbitragem e os operadores da tecnologia. Acredite-se ou não, jogar um pouco de sal grosso no equipamento de vídeo não faz mal a ninguém.
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