Gustavo Klein - Apaixonado por livros, filmes, música e séries, atua há mais de 30 anos como jornalista cultural
Gustavo Klein
15/02/2022 - terça às 00h00
Qualquer tipo de censura é ruim? Todos têm o direito de expressar livremente seu pensamento? Estas questões, que nunca saíram de moda, ganharam corpo desde o início da pandemia do coronavírus e nas últimas semanas alcançaram as manchetes graças a dois casos envolvendo podcasts de grande audiência: o americani Joe Rogan Experience, do Spotify, e o Flow, brasileiro, então apresentado pelo sujeito conhecido como Monark.
No primeiro caso, artistas como Neil Young e Joni Mitchell se posicionaram contra o Spotify por abrigar um podcast que abre espaço para negacionistas, críticos da ciência e outras aberrações. O que, em tempos normais, seria apenas um espaço de gente maluca e risível, com a pandemia e a politização do tema acabou se tornando uma influência nociva, antivacinação, que levou muita gente à morte.
O Spotify manteve o apoio ao Podcast e retirou os artistas de seu catálogo. Depois, graças à pressão econômica, já que outros artistas ameaçaram deixar o serviço e milhares de assinantes foram para a concorrência, acabou incluindo uma mensagem de alerta contra informações falsas antes do programa e deletou mais de 100 episódios do show de seu acervo.
Questionar a vacina no atual cenário é, além de desonestidade, burrice. Os números estão aí para quem quiser entendê-los. A redução nas mortes pós-vacinação, os sintomas leves nas novas variantes, a taxa de quase 80% de não-vacinados entre os internados e mortos. E abrir espaço para quem tenta influenciar neste sentido é criminoso.
Falando do caso brasileiro, o assunto foi essencialmente político. O apresentador Monark, do podcast Flow, defendeu em seu programa o direito de um partido nazista existir no Brasil. No dia seguinte, com a repercussão, usou como desculpa o fato de estar bêbado. É: para se livrar da acusação de apologia a uma ideologia assassina, ele assumiu que faz seu trabalho alcoolizado. Irresponsável é o mínimo, não? Foi demitido.
No mesmo dia, à noite, em um programa da recém-criada Jovem Pan News, o ex-BBB Adrilles Jorge, comentando o caso de Monark, condenou o nazismo mas terminou o programa com um gesto que foi interpretado como uma saudação nazista. Também foi demitido.
Não vamos nem entrar no mérito do que essas pessoas faziam em programas de grande audiência, já que faz muito tempo que o jornalismo, ao invés de ser vanguarda e ditar tendências, passou a se pautar pela audiência, a priorizar o que gera "cliques", até em função de sua própria sobrevivência.
O que quero colocar em debate aqui são dois aspectos de todos estes casos. O primeiro é que, depois de episódios como estes, muitos correm para defender uma regulamentação, a obrigatoriedade de um diploma e até algum tipo de censura prévia nestes conteúdos. Discordo. A democratização do acesso aos meios de divulgação, seja por vídeos do Youtube, podcast ou redes sociais, é extremamente positiva, dá oportunidade a tantos talentos que não seriam descobertos de outra forma.
O que precisa ocorrer - e está ocorrendo - é a necessária responsabilização de quem usa a liberdade de expressão para cometer crimes. Ninguém está acima das leis e ser comediante ou estar bêbado não livra ninguém das responsabilidades.
O outro aspecto a que chamo a atenção é o do financiamento de certo tipo de conteúdo. Se a expressão é livre e deve continuar a ser, seria muito bom se patrocinadores, grandes empresas, priorizasssem o bom conteúdo na hora de ligar sua imagem a um programa. Investir em boa informação, criatividade, inteligência e não no que dá audiência. Ajudar a transformar o que é bom em sucesso no lugar de ir atrás do que tem bons números, simplesmente.
O conteúdo ruim é ruim mesmo que muita gente o esteja consumindo.
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