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Mônica Ferreira Costa - Pedagoga, Psicóloga, Mestranda em Educação na Unisantos

Mônica Ferreira Costa

12/04/2022 - terça às 00h00

Estamos numa semana muito importante para os cristões, a semana Santa, a semana da Páscoa. A origem da palavra (em latim pascha e do hebraico pessach) carrega o significado “da passagem” porquê para os hebreus esta comemoração, que vem de longa data na tradição judaica, está associada à memória da libertação do povo hebreu da escravidão no Egito. 

Por sua vez, no cristianismo, a Páscoa possui um significado distinto da crença judaica, mas ainda assim, a festa cristã possui uma ligação direta com a dos judeus, pois relaciona-se com a crucificação, morte e ressureição de Jesus Cristo, isso é, a “passagem” do Filho de Deus. O próprio apóstolo Paulo afirma em sua carta registrada em I Coríntios 15:14 que “Se Cristo não ressuscitou, é vã a nossa pregação, e também é vã a vossa fé”.

Sendo assim, cabe perguntar: por que o Cristo crucificado é ainda hoje uma imagem tão forte e permanente? Não deveria ser essa uma dor esquecida uma vez que o Cristo a superou? Por que nos agarramos à dor? Por que o sofrimento desperta tamanho fascínio?

Não haveria de ser glorificado o Salvador que ressuscitou dos mortos?

Estas questões sempre me provocaram reflexões porque há nesta faceta da relação do humano, que se percebe comum, frente ao outro que é reconhecido como o Messias, a grande alma, o sábio líder, uma maior admiração quanto maior tiver sido sua peregrinação, sua dor, seu sofrimento e martírio. Uma ordem de valor moral que elege a dor como poder e não a vitória sobre ela.

Como enxergar além da dor e do sofrimento?

Como potencializar nossas vitórias? 

Sabemos que tudo é passagem, tudo é passageiro e que findamos, então por que não eleger a alegria, a vitória para celebrar?

Além de tudo isso, há uma contradição permanente em nós, pois guardamos em fotografias momentos de felicidade e alegria. Nossas fotos mostram sorrisos e abraços, não fotografamos dores. A memória que guardamos são aquelas nas quais aparecemos felizes. 

Há na nossa cultura uma construção ideológica de que o sofrimento é um estado de resistência e que é necessário persistir, mesmo diante da maior dor. Aliás, é preferível que se sofra em silêncio. Essa ideia do ficar sozinho, do sofrer em nome do algo maior, do resistir em silêncio tem colocado uma multidão de gente em situação de dores mentais e físicas; diante da automutilação, da depressão e do suicídio.

Não é nada fácil sofrer sozinho. Não é nada bom sofrer sem compartilhar, não é nada bom acreditar na dor como troféu. 

A sociedade que construímos, a partir desse modelo econômico, é desigual, perversa e falida. Não há nada de ético e moralmente bom no tratamento que poucos impõem sobre muitos, quando lhes roubam às vidas, os sonhos, os talentos.  
 Além dos cristões, todos nós poderíamos aproveitar a semana da Páscoa e pensarmos: como faço a minha passagem? Como devo tratar das minhas dores e das dores dos outros? Como estabelecer uma passagem real da condição do flagelo na qual muitos foram colocados para uma condição de direitos, de dignidade e respeito?
Penso que não há milagre.
Penso que há trabalho, muito trabalho a ser feito. Trabalho de transformação. Trabalho santo porque sadio, portanto afastado desse consumo desordenado, desse silêncio que mata, desse conformismo. Não é natural que muitos morram de fome enquanto outros jogam fora toneladas de alimento. Não é natural que uns tenham privilégios a todo tipo de bens e serviços enquanto a maioria tem seus direitos roubados. Não é natural que direitos sociais e serviços básicos sejam transformados em produtos, em mercadorias e ver tudo virar lucro: alimentos, saúde, moradia, educação, transporte, segurança...

Nós, classe trabalhadora somos tratados como mercadoria, somos o que os capitalistas denominaram de “capital humano”. Viramos mercadoria e somos vendidos no mercado. Nossa força de trabalho está a cada dia virando pó, podemos ser “precarizados”, “uberizados”, afinal sofreremos em silêncio e ainda haverá glória pela dor do dia a dia. Nos convenceram. Nos condicionaram e nós nos moldamos.

Se não houver uma passagem real, na qual façamos no coletivo um pacto pela vida e pela ética e partamos para a destruição deste sistema econômico que constrói e mantem esta lógica de mercado, tudo estará preso na cruz e nenhuma ressureição será lembrada, fotografada, guardada como um momento de vitória, de alegria, de luz e conhecimento. 

Se não lutarmos aqui e agora contra essa lógica perversa que destrói o meio ambiente e todas as vidas que estão na Terra, ficaremos assistindo o fraterno que há em nós, morrer na cruz.

 

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