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Marighella, um filme de amor revolucionário

Jamir Lopes - Gestor e Produtor Cultural

Jamir Lopes

05/11/2021 - sexta às 16h32

O aguardado filme “Marighella” fez a sua pré-estreia em Santos no Cine Roxy 5 - Gonzaga e no Cinemark - Shopping Praiamar no final de semana passado, feriado prolongado de finados, e deverá continuar em cartaz nestas primeiras semanas de novembro de 2021. A estreia ocorreu com cerca de dois anos de atraso, após ser censurado pelo governo do Presidente Jair Bolsonaro.  Filmado em 2017, Marighella tinha planos para estrear no Brasil em 2019, mas diversos fatores barraram a estreia do longa — e o principal, além da pandemia, foi um grande embate com a Ancine (Agência Nacional do Cinema). A Ancine não aprovou o lançamento da produção por “não conseguir cumprir a tempo todos os trâmites necessários para conseguir uma verba pública para distribuição”. No entanto no mesmo ano ocorreu à estreia mundial do filme no Festival de Berlim, em fevereiro de 2019, onde a produção foi aplaudida de pé pelo público. O filme passou, ainda, por importantes festivais internacionais de cinema de diversas outras cidades, como Seattle, Hong Kong, Sydney, Santiago, Havana, Istambul, Atenas, Estocolmo e Cairo. Entre os grandes nomes do elenco, ganham evidência Adriana Esteves, Bruno Gagliasso no papel do grande antagonista da trama, e o ator e cantor Seu Jorge, grandemente elogiado pela interpretação do protagonista.
 
Um dos grandes méritos deste longa é retratar de forma violenta e brutal, como poucas vezes vista no cinema nacional, o período da Ditadura Militar, uma decisão arrojada, que pode acirrar ainda mais o debate atual, mas que dá contornos de adrenalina e veracidade impressionantes às cenas e, sobretudo, aos fatos. A linha narrativa que conduz a história é a relação entre o revolucionário e seu filho de 15 anos. Nesse sentido, é a história de um homem forçado a se afastar do filho enquanto luta contra um regime político opressivo que prende, tortura e mata seus conterrâneos. O filho vai para a Bahia viver protegido, enquanto Marighella permanece no centro urbano, a fim de  organizar a luta armada contra a ditadura. Enquanto isso, as forças da repressão se organizam em sua caçada e na de seu bando, com apoio da diplomacia dos EUA e liderados por um detetive com sangue nos olhos (Bruno Gagliasso), cujo único objetivo é “matar preto e matar vermelho”.
 
Citado  como  terrorista  por  parte  da  história  oficial  e  por  muitos brasileiros, Marighella traz reflexões fortes para o consagrado ator e estreante na direção Wagner Moura, que no audiovisual já viveu personagens complexos como o traficante Pablo Escobar, o diplomata Sérgio Vieira de Mello e o popular Capitão Nascimento de Tropa de Elite 1 e 2. Não por acaso o diretor baiano escolheu fazer a primeira pré-estreia do seu filme no Brasil em Salvador, a cidade mais negra da América Latina, terra natal também do deputado e escritor Carlos Marighella - descendente de escravos malês e filho de Oxóssi.

Sobre a dificuldade de se adaptar uma obra tão densa quanto o livro de Mário Magalhães, Moura explica que “Nós estávamos lidando com a história de vida

de muitas pessoas e com um período conturbado do país. Eu e Felipe (Braga, co-roteirista) trabalhamos juntos em "Marighella" desde 2013. Para nós, desde o começo era claro que tínhamos que ter um recorte muito específico. Não gosto de ver filmes biográficos que em apenas duas horas tentam dar conta da vida inteira de alguém. Melhor ler um livro ou ver um documentário. Nós optamos pelos cinco últimos anos da vida de Marighella” relembra Wagner. Salientando ainda que "Não gosto de explicar cenas do filme, mas quem for assistir a ele, terá a sabedoria de entender que ninguém está fazendo uma ode ao terrorismo. Terrorismo, entre outras coisas, é o racismo estrutural que dita o que este país é até agora. 600 milhões de mortos por Covid-19 é terrorismo, 19 milhões de pessoas passando fome no Brasil é terrorismo, Amazônia pegando fogo é terrorismo”, disse o diretor. Que concluí de forma ainda mais contundente: “Marighella é um filme não somente para as pessoas que lutaram contra a ditadura militar no Brasil, nos anos 60 e 70. Marighella é também um filme sobre os que lutaram antes: sobre Palmares, Canudos, sobre Alfaiate, Malês e todas as revoltas populares por direitos no Brasil. Mas sobre tudo este filme é para quem está resistindo agora, neste contexto sinistro do Brasil atual”.

É um prazer assistir a um drama histórico tão bem feito, com alto valor de produção, em que a reconstituição de época não parece uma obra forçada ou evidentemente artificial. Repleto de cenas externas é admirável como vemos vida em cada elemento de cena, mesmo os de segundo plano. Com isso, para quem vive ou conhece os centros do Rio, de São Paulo e a cidade de Cachoeira na Bahia são vários os espaços reconhecíveis e causa espanto ver tamanha transformação a fim de nos transportar aos anos 60, os “anos de chumbo” no Brasil.
 
É fundamental assistir Marighella para fortalecermos a sua exibição nos cinemas e colaborarmos para que esta obra chegue às mais diversas comunidades brasileiras, estabelecendo uma ampla reflexão contemporânea do nosso país. Para juntos resgatarmos a “Memória de um tempo onde lutar / Por seu direito / É um defeito que mata” como diz a emblemática música “Pequena Memória Para Um Tempo Sem Memória (Legião dos esquecidos)” do saudoso compositor e cantor Gonzaguinha. Vejam Marighella, que por incrível que pareça, pode ser considerado como um denso filme de amor. Um amor revolucionário e verdadeiro pelo Brasil, pela liberdade, por respeito e justiça social.

Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Portal BS9

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