Maurício Juvenal - Jornalista, especialista em Pesquisa Social e mestre em Letras
Maurício Juvenal
07/10/2021 - quinta às 16h22
O “nordestino” é, antes de tudo, um forte. Recorro aqui, talvez imprudentemente, a uma ligeira adaptação a uma das frases ícones da literatura brasileira, em “Os Sertões”, uma das três grandes epopeias da língua portuguesa, obra do por vezes pouco festejado Euclides da Cunha.
Disse ele: “O sertanejo é, antes de tudo, um forte. Não tem o raquitismo exaustivo dos mestiços neurastênicos do litoral. A sua aparência, entretanto, ao primeiro lance de vista, revela o contrário. Falta-lhe a plástica impecável, o desempeno, a estrutura corretíssima das organizações atléticas. É desgracioso, desengonçado, torto. Hércules-Quasímodo, reflete no aspecto a fealdade típica dos fracos. O andar sem firmeza, sem aprumo, quase gingante e sinuoso, aparenta a translação de membros desarticulados. Agrava-o a postura normalmente abatida, num manifestar de displicência um caráter de humildade deprimente. A pé, quando parado, recosta-se invariavelmente ao primeiro umbral ou parede que encontra; a cavalo, se sofreia o animal para trocar duas palavras com um conhecido, cai logo sobre um dos estribos, descansando sobre a espenda da sela. Caminhando, mesmo a passo rápido, não traça trajetória retilínea e firme.
Avança celeremente, num bambolear característico, de que parecem ser o traço geométrico os meandros das trilhas sertanejas. É o homem permanentemente fatigado.”
Impossível, a partir de um texto como esse, não se perceber mergulhado no exercício da visualização mental desse nosso sertanejo-nordestino de cada dia. Tomo por empréstimo, nesse
momento, como forma de celebrar a presença e a força nordestina entre nós, vivida em cada palmo desse nosso chão litorâneo de meu Deus.
É possível que alguns proponham o debate da separação entre nordestino e sertanejo. Pode ser que tenham razão. Mas eu, particularmente, vejo o sertanejo como o habitante do sertão, no caso se referindo exclusivamente aos habitantes do sertão nordestino, do agreste, das áreas rurais castigadas pela seca extrema.
Aos meus olhos, os habitantes dos campos dos interiores paulista, paranaense, mineiro, entre outros, pelo certo deveriam ser conhecidos e reconhecidos como caipira ou matuto, a exemplo de nós, ora caiçara e ora até calunga. A verdade é que a onda comercial da música sertaneja acabou por imprimir tal definição errada de sertanejo.
Eu, particularmente, sou filho de dois nordestinos. Sou fruto orgulhoso da mistura de uma maranhense com um pernambucano. O Maranhão do “bumba meu boi” e do português pronunciado de forma corretíssima, da marrom, Alcione. O Pernambuco de Paulo Freire, patrono da educação brasileira, e da congada e do maracatu.
Pelas Alagoas, Marechal Deodoro da Fonseca, proclamador da República. Da Bahia, nossa Santa Dulce dos Pobres, a primeira santa brasileira. É do Ceará a ativista Maria da Penha Maia Fernandes, que empresta nome à Lei Maria da Penha, e em nome das vítimas de violência doméstica. Outro símbolo de resistência vem do Piauí, o jornalista e escritor Carlos Castelo Branco, ganhador de vários prêmios internacionais por sua luta pela liberdade de imprensa. No Sergipe, Tobias Barreto, filósofo, escritor e jurista e um dos cinco únicos brasileiros a integrar o Dicionário dos Maiores Juristas da Humanidade, da Universidade Wolfgang Goethe, na Alemanha. Os irmãos Schmidt, Oscar (do basquete) e Tadeu (do Fantástico), são do Rio Grande do Norte. Ah, e da Paraíba o inigualável Ariano Suassuna, escritor, poeta, dramaturgo e professor, autor de nada menos do que “O Auto da Compadecida”.
É ele sim, presidente Jair Bolsonaro, um dos tantos paraíbas aos quais o senhor se referiu com irretratável desdém. Xenofobia contra o Nordeste: “daqueles governadores de ‘paraíba’, o pior é o do Maranhão”. Ataque gratuito, desnecessário, desrespeitoso, mas imensamente compreensível vindo de quem vem, ou seja, alguém que não tem a mínima estatura, estudo, conhecimento, equilíbrio e racionalidade para estar no cargo que está. Sem dúvida, daqueles políticos cariocas, o pior é o seo Jair, tá ok?
Os dados do Censo de 2010, divulgados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatísticas, o IBGE, revelam que Cubatão é, dos nove municípios da Baixada Santista, o que proporcionalmente abriga o maior número de nordestinos, algo em torno de 32 mil. Guarujá, por sua vez, é a cidade da região com a maior quantidade absoluta, são quase 58 mil. Estima-se que 1/6 de toda a população residente, algo em torno de 300.000 pessoas, seja composta por migrantes nordestinos que, juntos com seus familiares, representam quase a metade do contingente populacional local. É gente pra caramba.
Gente que veio para abrir estradas. Gente que veio para erguer indústrias. Gente que veio para levantar prédios. Gente que veio para construir uma vida melhor. Gente que construiu uma vida melhor, pra muitas outras gentes.
O Oxente bichinho cabra da peste, em sua infinidade de sotaques e regionalidades, garante um brilho maior a nossa forma de ser e viver. A engenharia financeira, ao mesmo tempo genial e solidária, para garantir o sustento de suas famílias sempre trabalhadoras, é outro exemplo de força e fé. As cores, as dores, o chique e o brega, os artesanatos e os pratos: do camarão seco salgado ao bejú derivado da mandioca, também!
A grande verdade é que tem pelo menos um pouco do muito do que o nordestino é, em cada um de nós. E que bom que seja assim. Se seca, fome e miséria são referenciais que nos ativam a lembrança, superação, genialidade e solidariedade são os outros referenciais próprios que nos encantam o coração.
Por fim, tem sempre um nordestino pra lá de porreta e especial perto de você, no seu caminho ou até mesmo sua vida. Amanhã, dia do nordestino, arriégua, dá uma de buliçoso, deixa de fuleragem, e manda um cheiro gostoso nele ou nela. Iapoi?
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