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Desfile das Escolas de Samba: ter ou não ter... será a questão?

Lúcio Nunes - Jornalista, colaborador da Liga Cultural Independente das Escolas de Samba de Santos (LICESS) e do Conselho do Samba de Santos

Lúcio Nunes

03/12/2021 - sexta às 16h59

Assim que surgiram as primeiras notícias sobre a variante Ômicron - que pode vir a ameaçar o cenário hoje relativamente controlado da pandemia no país (graças à Ciência e à vacinação, é bom que se diga) -, alguns dedos prontamente já buscaram um “vilão” no calendário de eventos.
Pois bem.

Quem lê meus textos por aqui sabe do meu envolvimento e apreço pelo Carnaval - e, especialmente pelo Desfile das Escolas de Samba.

Por isso, não posso deixar de me manifestar quanto a esta “preocupação seletiva” que invadiu as redes nos últimos dias. Um movimento tão “surpreendente” que é capaz até de reunir notórios negacionistas (os mesmos que deitaram e rolaram no auge da pandemia) no coro ensaiado do “tem que cancelar!”.

Mas, parafraseando a famosa frase de Hamlet... “ter ou não ter, será a questão”?

Antes de avançar sobre o tema, gostaria de lembrar que, entre um fevereiro e outro, também tenho por hábito me reunir com pessoas queridas em datas festivas, inclusive Natal e Réveillon. Da mesma forma, frequento estádios de futebol, já participei de provas de pedestrianismo e, quando posso, prestigio festivais e shows musicais de outros gêneros, por exemplo.

Isto posto, algumas situações precisam ser tratadas com mais clareza.

Primeiramente, se vários eventos deste tipo e tantos outros estão programados para a Baixada Santista - e potencialmente poderão reunir mais gente do que as noites de 18 e 19 de fevereiro de 2022 na Passarela Dráuzio da Cruz – é inaceitável que neste momento somente o Desfile das Escolas de Samba seja colocado em xeque. Especialmente desta forma tão precipitada e panfletária.

Ademais, não é de hoje que o “Carnaval” é intencionalmente generalizado e distorcido de forma rasteira, rotulado como algo descartável, desorganizado e vulgar.

Mas é bom lembrar que a narrativa da “bandalheira que tira dinheiro dos hospitais” (sic) é contada, em sua imensa maioria, pelos mesmos que nos colocaram no abismo institucional, econômico e sanitário em que atualmente estamos.

Eles sabem (mas omitem) que em Santos, apenas o Desfile das Escolas de Samba já tem um aval prévio do Poder Executivo, desde que as medidas vigentes do Plano São Paulo de Combate à Covid-19 validem sua realização à época.

E há razões técnicas para isso. O Desfile é um evento a céu aberto, que permite o controle do acesso do público, a exigência de medidas preventivas às agremiações (como máscaras adaptadas aos figurinos, por exemplo) e até mesmo um maior distanciamento entre os componentes durante a evolução na pista, se necessário.

Por não reunirem exatamente todas essas características, outros eventos carnavalescos importantes e tradicionais, como bandas, bailes em clubes e blocos, por exemplo, infelizmente ainda não têm perspectiva de realização iminente.

O mais provável, inclusive, é que só retornem caso as adaptações necessárias sejam viabilizadas em tempo hábil. Ou se o cenário da saúde pública seguir evoluindo positivamente.
Mas para quem simplesmente acha que “o Carnaval tem que acabar”, esse tipo de debate ou análise não precisa ser pautado agora. Nem nunca.

Afinal, ao longo da história – e de outros hiatos forçados -, outros argumentos (muito menos consistentes) já foram utilizados por quem sempre demonstrou má-vontade com a cultura popular, desdém pela ancestralidade do samba e intolerância ao estar diante do diverso. Atitudes típicas de um pseudo-elitismo que nada agrega à sociedade em que vivemos.

Sejamos claros: se o controle da pandemia retroceder, sim, será preciso cancelar TAMBÉM o Desfile das Escolas de Samba.

Mas não SOMENTE o Desfile das Escolas de Samba.

Certo?

Como diz a nota enviada à imprensa pela Liga Independente Cultural das Escolas de Samba de Santos (LICESS) ontem, “a discussão deve continuar, desde que de forma abrangente, priorizando o diálogo, o embasamento técnico, a responsabilidade e o bem-estar coletivos, pois conforme o próprio enfrentamento da pandemia já nos mostrou, somente assim poderemos seguir avançando”.

Ninguém é obrigado a gostar ou assistir ao Desfile das Escolas de Samba. Mas uma manifestação democrática, centenária e popular, que valoriza e fomenta linguagens artísticas como a música, a dança, e as artes plásticas, é essencial para o turismo e garante renda extra para centenas de famílias em situação de vulnerabilidade social deve - e precisa – ser urgentemente mais respeitada.

Essa é, portanto, a verdadeira questão.

*Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Portal BS9

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