Jamir Lopes - Gestor e Produtor Cultural
Jamir Lopes
05/04/2022 - terça às 00h00
O antigo dito popular infantil “cala a boca já morreu” voltou a ganhar força em junho de 2015, durante o julgamento de uma ação no Supremo Tribunal Federal, na qual se discutia a constitucionalidade de uma necessidade prévia de autorização do biografado para a publicação de biografias. A Ministra Carmen Lúcia, relatora do processo, afirmou em seu voto: “cala a boca já morreu, quem manda na minha boca sou eu”, esclarecendo que “censura é forma de ‘calar a boca’. Pior: calar a Constituição, amordaçar a liberdade, para se viver o faz de conta, deixar-se de ver o que ocorreu. (…) Isso a Constituição da República garante”.
Este acontecimento converteu-se rapidamente em uma espécie de slogan da atitude adotada pelo STF diante dos mais diversos casos envolvendo liberdade de expressão. Tornaram-se, de fato, frequentes nos votos dos Ministros alusões a um caráter preferencial da liberdade de expressão que exigiria um maior ônus argumentativo para sofrer restrições, ainda que em virtude da proteção de outros direitos fundamentais. Nesta linha interpretativa o STF derrubou nos últimos anos várias ações ultraconservadoras que tentaram a volta da mordaça, tais como: os julgamentos relativos à censura à crítica humorística em período eleitoral; à censura ao beijo gay entre personagens de uma revista de histórias em quadrinhos, à censura ao especial de natal do Porta dos Fundos, entre outras ações.
Na semana passada, entre os dias 25 a 27 de março, aconteceu o primeiro grande festival de música pós-pandemia, o Lollapalooza 2022 em São Paulo, que reuniu um público de mais de 300 mil pessoas, formado por jovens em sua maioria. No chamado “Lolla 2022” no primeiro dia do festival o show da cantora Pablo Vittar causou uma repercussão instantânea, não só artística, mas também jurídica. Tudo porque a cantora durante a sua apresentação puxou um gigantesco “Fora Bolsonaro” entre as mais de 100 mil pessoas presentes, além de terminar o seu show desfilando entre a plateia com uma toalha de banho com a imagem do Lula. Bastou este fato para o PL, partido do Bolsonaro, entrar com uma ação urgente no Tribunal Superior Eleitoral, acolhida de forma isolada pelo Ministro Raul Araújo, solicitando a proibição de todos os artistas se posicionarem politicamente durante os outros dias de realização do festival e multando este evento no valor de 50 mil reais, caso outras manifestações políticas ocorressem, com o argumento que estas manifestações se tratavam de campanha política antecipada. Com a repercussão da polêmica pela imprensa e a clara inconstitucionalidade desta ação, no dia seguinte o próprio PL, Partido Liberal, solicitou a retirada da ação. Este caso só fortalece a percepção de como vivemos tempos sombrios, de negacionismo, absurdos retrocessos civilizatórios e muitas contradições. O mesmo governo que tentou censurar um evento privado, o Lollapalooza 2022, querendo restringir a liberdade de expressão de artistas, com o argumento de campanha eleitoral antecipada, é o que de maio a dezembro de 2021 promoveu uma série de motociatas, convocadas pelo próprio presidente, em vários estados brasileiros, causando aglomerações de apoiadores sem máscaras de proteção contra covid-19, mesmo em meio a momentos críticos da pandemia no país na época. Sendo que estas motociatas promovidas em apoio ao governo de Jair Bolsonaro (PL) custaram mais de R$ 5 milhões aos cofres públicos, segundo levantamento realizado pela Folha de S. Paulo. O dado foi obtido por meio da Lei de Acesso à Informação (LAI) e inclui as despesas assumidas pelos estados para garantir a segurança da comitiva do presidente, além das despesas com cartão de pagamento do governo federal. Bolsonaro usou os atos das motociatas de 2021 como palco para fazer discursos inflamados, questionando a lisura do processo eleitoral, das urnas eletrônicas, e ainda atacando ministros do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e do Supremo Tribunal Federal (STF).
A liberdade de expressão segue ocupando um lugar central no debate político. A lista de violações à liberdade de expressão cometida pelo atual governo federal é extensa. Desde que assumiram o poder em 2019 o presidente e sua trupe reforçam uma interpretação bem deturpada do que é liberdade de expressão. Liberdade de expressão é um direito fundamental de todos os brasileiros, mas crime não pode ser chamado de liberdade de expressão. Se você não deveria, mas ofende todo mundo, isso não é crime, no máximo é injúria, calúnia e difamação. O crime é você é intimidar pessoas ou instituições, é pregar a destruição, causar a morte de inocentes ou causar o extermínio de quem você considera inimigo.
E ainda faltam seis meses para as eleições de 2022. Aos brasileiros realistas, ativistas, jornalistas, comunicadores, artistas, eleitores e amigos: apertem os cintos, somem forças e empunhem os seus megafones. Precisamos restabelecer juntos a democracia, a esperança, a verdade, a empatia e o respeito!
Deixe a sua opinião
ver todos