Maurício Juvenal é jornalista, mestre em Letras, secretário de Governo de Mogi das Cruzes e ex-secretário de Planejamento e Gestão do Estado de São Paulo.
Maurício Juvenal
18/04/2023 - terça às 00h00
Não deve haver cidadão, de bem, que não venha assistindo com especial atenção e preocupação esse momento de explícita fragilidade ao qual a sociedade brasileira está exposta. Sem exagero algum, ataques a escolas e consequentemente a pessoas se traduzem, na prática, em afronta à vida, num duelo fatal estabelecido entre o ser próprio e o ser próximo.
Muito se tem falado sobre o tema nos últimos dias, por motivos óbvios, e com intenso movimento de cobrança aos atores políticos, nas três esferas de poder, como se tudo fosse fruto exclusivamente da inércia e da falta de capacidade do gestor público, o ser político, em fazer das unidades de ensino um lugar de acolhida e sobretudo de proteção da comunidade escolar.
Tem parcial razão quem pensa assim. Mas só parcial. A escola jamais poderia ser vista como um espaço ou equipamento de repressão e controle do pensar-pulsar humano. Escolas transformadas em quartéis ou agências bancárias, com detectores de metal e cercas concertinas em todo seu contorno, atestam sim o fracasso da política enquanto “arma” eficaz de resolução dos problemas da sociedade, mas revelam tristemente – ainda que não queiramos ver e admitir – a incapacidade das famílias em trabalhar valores e comportamentos sociais apropriados.
E assim, no território das cidades, do Monte Caburaí ao Arroio Chuí, identificamos olhares perplexos, mentes preocupadas, corações cortados como resultado de um estado-sensação de alerta permanente: quando e onde acontecerá o próximo ataque? A ideia da escola como segundo lar, como extensão da própria casa, está em xeque. Em xeque pela ação de terroristas eletrônicos que muitas vezes se escondem no cômodo ao lado, em nossas próprias casas.
A qualidade das relações interpessoais no seio de boa parte das famílias está prejudicada e comprometida. A escola só será de fato a segunda casa de seus alunos, quando a casa for, antes de tudo, a primeira escola na vida e na percepção de cada um deles. A família e a escola, a política e os governos, não podem mais permitir que a internet se transforme no principal espaço de interação social de crianças e jovens.
Não são poucos os levantamentos de dados que já demostraram que comportamentos de violência e preconceito na internet estão diretamente conectados a violências estruturais que acontecem em outros espaços da sociedade.
E é exatamente aí que a boa política tem papel preponderante, devendo ir muito além do direcionamento de recursos, efetivos e equipamentos que acabam por transformar os portões das escolas em portcullis, aqueles robustos gradeados de ferro, dotados de lanças pontiagudas em sua base, normalmente encontrados em fortificações medievais, cujo papel principal era o de dificultar ao máximo o acesso. Escola tem que ser, sempre, um lugar de porta e portões abertos.
Em Mogi das Cruzes, a Escola Municipal Coronel Almeida desenvolve de modo orgânico um projeto denominado “Cultura da Paz” que, entre outros, transita pela construção junto ao alunado de um senso crítico que colabore para o uso seguro e responsável da internet e das tecnologias. Espelha em muito a proposta da própria Secretaria Municipal de Educação, que constitui um grupo de trabalho que discute e amplifica o debate em torno da linguagem não violenta, do bullying e do cyberbullying, da promoção de uma convivência baseada na valorização da diversidade e, o mais importante, no estímulo para que cada escola desenvolva uma parceria efetiva com as famílias de seus alunos, estabelecendo relações simétricas e de corresponsabilidade com os pais, oferecendo a eles espaços de reflexão sobre as questões que vivenciam com seus filhos.
O papel da política e dos governos não pode ser o de armar para o combate. Mas, sim, o de estruturar soluções que lhes tirem o propósito. Como acontece em Mogi das Cruzes, numa ação que aponta para a importância de preparar os estudantes para lidar com o mundo digital: em sua forma, em suas oportunidades e em seus riscos.
O próprio Marco Civil da Internet e a Base Nacional Comum Curricular dispõem sobre a importância do desenvolvimento de competências e habilidades relacionadas ao uso responsável, crítico e seguro das tecnologias digitais nas práticas pedagógicas e educacionais.
A equação está posta: governos + famílias + escolas. E o fator comum todos nós bem sabemos qual é.
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